Quando saiu à rua, o sol do meio-dia bateu-lhe direto nos olhos, cegando-o por alguns instantes. À luz do dia, o que havia acontecido não lhe parecia real. As horas passadas dentro daquele caixote de cimento e vidro fumê, iluminado com luzes fluorescentes, tinham ficado distantes, irreais. Aquilo tudo não podia ser verdade: o homem que matou friamente quatro pessoas não podia ser ele. Tinha que esquecer. Não dava pra conviver com a aquela memória. E agora, o que faria? Na proposta, não ia nem pensar... Mas precisava decidir o que fazer, para onde ir, naquele momento. Era cedo para ir para casa. Se voltasse já, teria que inventar desculpas. Mas, talvez fosse melhor. Ficar perambulando pela rua não lhe faria bem algum. Precisava se recolher ao seu lar, encontrar sua realidade, seu cotidiano, sua família. Só assim conseguiria afastar da memória a manhã de horror que acabara de viver.
Chegou em casa e foi para o quarto, sem falar com ninguém. Sua mulher só voltaria à noite. Isabel só chegaria do colégio à tardinha e Luísa estava trancada no quarto, falando ao telefone, e nem o ouviu entrar. Aliás, teve a impressão de ouvir um som de choro quando passou pela sua porta... Devia ser só impressão ou, quem sabe, briga com o namorado. De qualquer jeito, não estava com cabeça para conversar com ela. Depois que relaxasse um pouco, veria o que estava se passando. Será que tinha alguma coisa a ver com o assunto que queria falar com ele? Seria grave? Bobagem... Adolescentes choram à toa. Tratou de deitar-se e tentar dar uma cochilada.
Acordou, horas mais tarde, suando frio. Teve pesadelos horríveis, dos quais não se lembrava. Ficou um pouco quieto na cama, olhando para o teto escuro e concentrando-se nos sons que vinham da sala. Ouviu uns soluços, que pareciam de Luisa, e também a voz de Vera. O que teria acontecido para sua filha estar chorando até agora? Ou seria Isabel, ou mesmo Vera? Será que estavam todas chorando? Teriam descoberto que ele era um assassino? Queria ir até lá, ver o que estava acontecendo, mas, mesmo sem ter a mais vaga noção do problema, já se sentia culpado. A curiosidade e a preocupação acabaram por vencer a culpa. Levantou-se e foi até a sala.
A cena era dramática: Vera, sentada no sofá, e Luísa, deitada no seu colo, aos prantos. Sua mulher também estava com cara de quem tinha chorado... Tomaram um susto quando o viram e tentaram se recompor.
- O que você estava fazendo aí? - perguntou Vera, agressiva.
Era só o que faltava, tratava-o como a um intruso.
- Eu saí mais cedo do trabalho porque não estava passando bem, mas, eu é que pergunto: O que está acontecendo aqui? – contra-atacou.
Luísa, que repentinamente havia parado de chorar, empinou-se no sofá e, com um ar controlado, respondeu:
- Eu estou com um problema sério. Era sobre isso que precisava conversar com você.
- Então fala logo, menina, você quer que eu tenha um enfarto? Fala logo o que é; eu não sou adivinho. Aliás, eu sou sempre o último a saber das coisas nesta casa – reclamou, impaciente. Quando percebeu seu descontrole, já era tarde demais: Luisa desatara a chorar novamente, abraçada à mãe, que tentava acalmá-la.
Vendo que seria impossível continuar a conversa naquele tom, sentou-se e respirou fundo antes de continuar:
- Desculpe, minha filha, é que eu tive um dia muito difícil. Vai passar uma água no rosto pra ver se você se acalma, assim nós podemos conversar.
Enquanto Luísa estava no banheiro, tentou extrair alguma informação de sua mulher, mas Vera fechou-se em copas, preferia deixar que a filha contasse o problema à sua maneira, no seu tempo. Esforçou-se para manter a calma. Sua vontade era gritar e sacudir as duas, até que lhe contassem a razão do drama. Sua cota de suspense já se esgotara. Seus nervos estavam estropiados e sua paciência por um fio...
Luísa voltou do banheiro e sentou-se no sofá, bem em frente à poltrona onde o pai a esperava:
- Pai, é o seguinte: Vou falar logo, sem rodeios. Estou grávida.