Eu li Pollyanna quando tinha uns 12 anos. Não lembro de nada. Ou melhor, quase nada. Só lembro que Pollyanna vivia levando na cabeça e continuava achando tudo lindo. Naturalmente, o final devia demonstrar que valia a pena ser como a Pollyanna e ver sempre o lado positivo, mesmo das maiores desgraças. Pois eu não aprendi com Pollyanna.
Aliás, não acredito em pessoas que vivem sempre sorrindo, perdoando, desapegadas e super alto-astral, aconteça o que acontecer. Não agüento gente que diz ter inveja "branca". Inveja é inveja: não tem cor (e nem deve ser politicamente correta essa distinção...). O máximo que posso admitir é a definição que o Zuenir Ventura deu no livro que escreveu para uma coleção sobre os pecados capitais. Inveja é quando você, não apenas quer o que outro tem, mas, quer que ele não tenha. Se você quer para si o que é do outro, é cobiça. E a tal da inveja "branca" seria apenas admiração. Tá bom... Tem um monte de santo por aí que só sente admiração. Cobiça? Nunca. Inveja? Jamais.
Então tá. Esse povo superior também não guarda mágoas. Supera rejeição, deslealdade, traição, ofensas, sempre focando no aqui e agora. Nada de sentimentos mesquinhos, como raiva, rancor, desprezo, sede de vingança, etc. Não estou aqui defendendo que a gente deva ficar cultivando e alimentando ressentimentos. É claro que isso não faz bem. Mas, ignorar ou esconder, muitas vezes de si mesmo, que gostaria que o chefe grosseiro tomasse umas porradas ou fosse corneado pela esposa "Amélia"; que a mulherzinha infeliz que roubou seu namorado pegasse uma gonorréia ou perdesse todo o cabelo; ou até mesmo que o sujeito que te deu uma fechada no trânsito recebesse uma bela multa ou enfiasse o carro em um poste na próxima esquina, deve ser ainda pior. Afinal, quem disse que a gente tem que censurar o que sente? Por que todos têm que ser perfeitos? Eu até acredito que algumas poucas pessoas são realmente mais evoluídas e menos acometidas de sentimentos mesquinhos ou, por que não dizer, humanos... Mas, a maior parte, vive envergonhada, a fingir, até para si mesmo, uma nobreza de espírito que não se encontra amiúde.
Pura culpa. Ou medo de rejeição. Há quem acredite que, desejando mal ao próximo, poderá mesmo atingi-lo e carregará a culpa pelo mal causado até o fim dos dias. Ou pior, há os que crêem no efeito ricochete. Tipo, eu desejo que você sofra e, por isso, eu acabo sofrendo mais. E há os que pensam que somente os perfeitos podem ser amados. Aí a necessidade de perfeição é ainda maior. Assim como é essencial não deixar transparecer qualquer defeito de caráter. E, quando falo defeito de caráter, não estou me referindo às grandes canalhices, mas aos deslizes a que estamos todos sujeitos. Um pouco de egoísmo aqui, uma certa vaidade acolá, um ocasional gostinho pela maledicência. Quem nunca fez uma fofoca, que atire a primeira pedra. E que tédio seria o mundo habitado somente de pessoas perfeitas... Aliás, pessoas perfeitas só existem na nossa fantasia, quando estamos cegos de paixão. Depois que passa a paixão, ou a gente ama o imperfeito, ou vive uma baita desilusão.
Então, melhor botar pra fora. E, cá entre nós, não acredito que, com a força do meu pensamento (ainda que verbalizado para os íntimos), seja capaz de causar a desgraça alheia ou a minha própria. Aliás, as evidências apontam o contrário. Canso de desejar e mentalizar coisas que não acontecem. Também devaneio sobre catástrofes que não se realizam. Toda vez que entro num avião, por exemplo, não consigo afastar completamente a idéia de que ele vai cair e acabo fantasiando também sobre detalhes do acidente e da reação dos familiares e amigos que deixaria para trás. Às vezes, tomada de um espírito otimista e corajoso (provavelmente induzido por um lexotan ou um rivotril), imagino que tudo vai correr às mil maravilhas. Mas, quando chega aquela turbulência forte, serenamente visualizo a queda da aeronave no oceano. O que tem que ser, será, penso, fatalista. É a tal aceitação...
https://www.youtube.com/watch?v=vLkp_Dx6VdI