quinta-feira, 21 de junho de 2012

SUICÍDIO NA REDE SOCIAL


    Pensou em cortar os pulsos. Não, cortar, não. Lanhar. Depois tomaria um calmante, entraria na banheira e telefonaria para alguém. Não, telefonar, não. Antes de entrar na banheira, mandaria um e-mail para ele. Não, e-mail, não. Mandaria uma mensagem pelo Facebook. Não, uma mensagem, não. Um post. Um post para todos. Não, para todos, não. Um post personalizado. Assim poderia ocultar o seu grito de socorro de algumas pessoas que não gostaria que soubessem de sua vida. Pessoas reservadas. Também sabia ser reservado. Reservadíssimo, aliás. Mantivera sua vida sentimental em absoluto segredo por quase duas décadas. Somente depois que enterrou sua mãe é que teve coragem para ser quem de fato era, na frente de todo mundo. Até da tia Maria de Lourdes. Mas, hoje, precisava lembrar-se de ocultar o post também dela. Tinha o coração fraco... Não estava certo do que estava fazendo, mas estava decidido. Tinha 783 amigos no Facebook. Desses, talvez não conhecesse pessoalmente uns 150. Uns 200 ele não encontrava há mais de 10 anos. Outros 300 eram amigos de amigos, conhecidos distantes... Mas não precisava se preocupar, havia pelo menos uns 50 amigos de verdade. Bom, talvez não fossem assim tão de verdade, mas, de verdade, no sentido de não serem apenas virtuais. Amigos de fé, irmãos, camaradas, eram poucos. Uns 30 sabiam onde morava... Ótimo. Obteria duas respostas ao mesmo tempo. A primeira, essencial, a respeito de seu amor. Será que ele viria? A outra, sobre seus amigos. Quantos seriam?
    Tomou um rivotril e pôs a banheira para encher. Não tinha uma gilette, então separou a faca mais afiada que encontrou na cozinha e sentou-se ao computador. A página do Facebook já estava aberta. Sorriu ao ver que 23 pessoas haviam curtido a foto que postara pela manhã e 8 haviam comentado. A foto era realmente excelente. Fora a sua ex-mulher quem tinha tirado, na praia, no início do namoro. Uma sorte encontrá-la em meio às caixas de guardados da casa de sua mãe, que finalmente se dispusera a abrir. Estava jogando frescobol com Maurinho. Onde andará Maurinho? Afastara-se dele depois do casamento. E perdera seu rastro. Nem no Facebook o encontrara. Enfim, a foto estava sensacional. Capturava todo o movimento, em meio ao salto, os pés fora do chão, o braço estendido, com os músculos rijos desenhados sob o sol. Clicou para ver quem tinha curtido. Leu os comentários. Nada dele... Não importa, pensou. Hoje teria a resposta que procurava.
    Começou a escrever: "Queridos amigos,...". Péssimo, esse começo, precisava de algo impactante, que imprimisse a marca de sua personalidade. Pôs-se a ler os últimos posts na página inicial. Lula e Maluf. Advertências aos pais. Compartilhe se você ama a sua mãe, ou a sua filha, ou o seu cachorro, se tiver uma vizinha simpática, se conhece alguém com câncer, se acredita em deus, se não acredita em deus, se torce pelo Flamengo, se é pela liberdade de imprensa, se odeia política, se gosta de tomar sol... Aahhh, essa música é sensacional! Clicou no link e o vídeo apareceu. Quando terminou, curtiu. Curtiu também uma frase do Osho e o convite para a estreia da peça de um amigo. Voltou ao post. Melhor ser simples e breve. "Não aguento mais. Agradeço a todos que me ajudaram na minha caminhada. Mas, hoje, não tenho mais forças. Me doei demais e doeu demais. Cansei". E chega. Não ficou lá essas coisas, mas um post de suicídio não precisa ser alta literatura. Precisa apenas transmitir a mensagem. Talvez seja melhor acrescentar um "Adeus", só pra não deixar dúvidas.
    Tomou mais um rivotril, pôs um cd da Adelle no som do quarto e deixou a porta aberta. Pegou a faca e entrou na banheira. Lanhou os pulsos, até sair um pouco de sangue. Depois recostou a cabeça na borda e relaxou ao som da música. Quando acordou, a água estava gelada e o apartamento estava em silêncio. Demorou um pouco para lembrar-se do que estava fazendo ali. Checou os pulsos, o pouco sangue escorrido já tinha coagulado. Saiu da banheira e vestiu seu roupão felpudo. Na sala, sentou-se diante do computador. Tinha diversas notificações e algumas mensagens. "Luiz Fernando, Aline e mais 53 pessoas curtiram o seu status. Alfredo, Maria e mais 11 pessoas comentaram o seu status".

sexta-feira, 8 de junho de 2012

TUDO NOVO


Aniversário. De novo. Espero que seja o fim do meu inferno astral. Nem é justo falar em inferno astral, aqui, sentada na minha nova casa. Onde tudo é novo. Ou melhor, quase tudo. Trouxe comigo aquela bagagem da qual não consigo me desfazer. Muita roupa, acumulada ao longo das últimas duas décadas (outro dia recuperei a minha canga “mais nova”, que tinha ficado na casa de um amigo e, dias depois, arrumando as fotografias, que também vieram em grande quantidade, me encontrei vestindo a tal canga “mais nova”, há apenas doze anos...). Alguns objetos. Móveis. Ainda sou muito apegada às coisas. Gosto de ver as canecas verdes que existem desde que me entendo por gente. Por muito tempo carreguei comigo uma cama e uma penteadeira que eram da minha casa de infância. A penteadeira era do quarto da minha mãe. A cama era do quarto de hóspedes. Na minha adolescência, foram para o meu quarto, quando minha irmã deixou de dividi-lo comigo. Casei e levei-as junto, como parte da minha história. Alguns anos depois, meu ex-marido me convenceu a devolver a penteadeira. Mais adiante, devolvemos a cama. Agora, para o meu novo apartamento, trouxe algumas coisas do lar conjugal. Nem tantas quanto gostaria, porque infelizmente não cabem, apenas o suficiente para manter o fio da história. Não sei se isso é bom, mas, acho reconfortante. Na vida, que não para de mudar, pelo menos os objetos permanecem. Vão-se os anos, ficam as canecas. Originalmente, eram doze. Hoje, restam cinco. Acho que ainda têm muito pela frente. Muita coisa boa, tomara!