sexta-feira, 23 de setembro de 2011

AUTOFILIA

Definologia. A autofilia é o excesso patológico da auto-estima. 

Sinonimologia: 1. Autofilismo; egolatria. 2. Amor próprio excessivo. 3. Narcisismo. 4. Auto-admiração. 

Antonimologia: 1. Alocentrismo. 2. Baixa auto-estima.

(definição encontrada via Google, já que o Aurélio aqui de casa sumiu e eu não gostei da definição do Houaiss: “amor a si mesmo, de caráter patológico”).


         Descobri a existência e o significado da palavra autofilia, outro dia, por acaso, quando chegou o novo dicionário Aurélio no meu trabalho e fui consultar, a pedido de uma colega, se “autoestima” ainda tinha hífen (não vou responder a essa pergunta: no Houaiss tá sem hífen e no Google encontrei a definição supra com hífen...).

         Desde então, já utilizei tanto a nova palavra, que nem sei como sobrevivi 41 anos sem conhecê-la. Talvez ela não fosse mesmo tão necessária há 10, 15 anos atrás. Mas, hoje em dia, deparo-me com exemplos de autofilia a toda hora.

         No entanto, é preciso ter cuidado para discernir a verdadeira autofilia de outras condições que o aparente excesso de autoestima pode estar mascarando, como o velho complexo de inferioridade, a excessiva insegurança ou a necessidade exagerada de auto-afirmação.

         Ora, tais males afetam as pessoas há séculos, mas, por algum motivo, nos últimos tempos, parecem ter se agravado. Se, antigamente, as pessoas se satisfaziam com um elogio dos pais, de um professor, de um chefe, ou até de um colega, agora, isso não basta mais.

         Não sei se é a cultura da fama ou se é simplesmente o excesso de comunicação gerado pelas novas redes sociais. Mas é preciso ter muitos amigos, que precisam curtir e comentar muito o que você posta, para que todos vejam como você é querido, popular, inteligente, competente ou seja-lá-o-que-for que você está anunciando ser.

         Eu mesma, estou aqui escrevendo este texto para publicar no meu blog e depois postar o link no Facebook. Por quê??? Porque quero que as pessoas leiam o que tenho a dizer; porque quero que gostem, que concordem, que reflitam, que comentem? Porque gosto de escrever??? Porque quero chamar a atenção? Porque sou carente? Ou porque estou de saco cheio de ver as pessoas “se achando”, sem a menor vergonha na cara? É, porque, cá entre nós, eu também “me acho” (alguns dias mais, outros menos), mas disfarço...

         Sei lá, o facebook é um tremendo “Mira, mamá!!!” (como diz o meu pai a respeito da piscina do Costão do Santinho, resort de Florianópolis, em janeiro), só que os 500 amigos de cada um não têm nem ao menos o parco interesse que as mães têm em ver o décimo mergulho de costas do filho...

         Mas não é só na internet que a autofilia impera. Por todos os lados, as pessoas querem ser o máximo. Ninguém se contenta mais em ser bom no que faz. Tem que ser excelente, maravilhoso, melhor que os outros. E há uma enorme necessidade de elogios que, caso não sejam recebidos, espontaneamente, de terceiros, costuma ser suprida pelo próprio autofílico, que se auto-elogia sem o menor pudor.

         A primeira vez que ouvi, há alguns anos atrás, uma pessoa no meu trabalho comentando: “Fulano me adora!”, pensei com meus botões como devia ser maravilhoso viver naquela certeza de ser objeto de adoração, ainda mais quando eu desconfiava seriamente de que, no caso, a afirmativa estava longe de ser verdadeira...

         Aliás, a sinceridade está muito desvalorizada. Ninguém quer uma crítica sincera, por mais construtiva que seja; preferem um bom elogio, ainda que fruto de puxa-saquismo ou necessidade de agradar. O autofílico não percebe a diferença entre um elogio genuíno e adulação interesseira.

         Outro dia, uma amiga postou no FB uma reportagem com uma psicóloga americana que contesta a “cultura da autoestima” (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/949633-cultura-da-autoestima-e-contestada-por-psicologa-americana.shtml ).

         Pensei que leria uma negação daquela teoria de que os pais devem elogiar muito os filhos, para cultivar a autoestima. Talvez a tal psicóloga tivesse descoberto que isso é uma besteira e que a autoestima e a segurança de um adulto nada têm a ver com elogios e demonstrações de aceitação por parte de seus pais. Como naquele filme do Woody Allen, em que ele acorda, após hibernar por 20 anos, e é informado de que os cientistas descobriram que açúcar é maravilhoso, etc.

         Mas, não. A tal psicóloga, na realidade, falava que as pessoas deveriam ter mais autocompaixão; que não deveriam exigir tanto de si mesmas. Enfim, era outra questão, mais ligada, a meu ver, à competitividade do que à autoestima (talvez tenha havido alguma problema de tradução). Pessoas cuja autoestima dependia de atingirem determinadas metas e que a psicóloga em questão achava que deveriam exigir menos de si mesmas. Nada a ver com o que eu estou falando: pessoas cuja autoestima parece florescer no deserto...

         Autoestima, segundo o Houaiss, é a “qualidade de quem se valoriza, se contenta com seu modo de ser e demonstra consequentemente, confiança em seus atos e julgamentos”.

         Deveria ser uma coisa de dentro para fora, não é não? Mas tem gente que vai procurar no outro...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O CARRASCO 16



        Ao voltar do almoço com Isabel, Vera encontra Antonio e Luisa na sala, em meio a um monte de sacolas e embrulhos.
        - Mãe, que bom que você chegou! Olha as coisas lindas que a gente comprou pro bebê! – exclama Luisa, mostrando um macacãozinho amarelo.
        - Ai, que fofo! – grita Isabel, praticamente empurrando a mãe e atirando-se no sofá para ver as compras da irmã.
        Antonio pega uma sacola enorme e chama a esposa, que ainda está atônita, parada na entrada da sala:
        - Vera, pra você não achar que nós só compramos futilidades, tem aqui uns pacotes de fraldas...
        - Fraldas, Antonio??!! – interrompeu Vera, indignada, sem saber o que dizer. Estava tudo errado! Luisa não devia ter o bebê. E, se fosse para tê-lo, não deveria sair sozinha com o pai para comprar suas primeiras roupinhas (nem muito menos fraldas!). Esse era o papel da avó! Mas, é claro que não a chamaram porque sabem que ela é contra... Aliás, se tivesse sido convidada, provavelmente teria recusado. Então, ficava difícil culpá-los... Não, não ficava nada difícil, a culpa era mesmo de Antonio. Ele estava manipulando Luisa e esse passeio de compras era parte disso. Mas, não podia passar recibo, isso só a afastaria mais da filha e sepultaria de vez suas chances de reverter a situação.
        - É, Vera, fraldas! É bom ir comprando aos poucos, porque é uma despesa e tanto... – responde Antonio, rindo, como se fosse o mais inocente e bem-intencionado dos homens.
        “Quem não te conhece que te compre”, pensa, forçando um sorriso amarelo e concordando com o marido:
        - É mesmo, só não sei se temos espaço para um estoque grande - e, voltando-se para Luisa, desconversa – Deixa eu ver esse jeans... Que coisinha mais bonitinha...
        Fica mais alguns minutos com as meninas, esforçando-se para não deixar transparecer o quão contrariada está. O genuíno entusiasmo de Isabel, soltando gritinhos a cada novo pacote aberto, facilita a tarefa. Aproveita o toque do telefone para deixar a sala. No quarto, a amiga lhe pergunta, ao telefone:
        - E aí, como estão as coisas?
        - Nem sei – responde, sentando-se na cama – Não reconheço mais meu marido e minha filha está praticamente me ignorando... Estão lá na sala, agora, vendo as roupinhas que compraram para o bebê... – choraminga.
        - Ah, Vera... Não fica assim... Você não tem como impedir... Então, talvez seja o caso de tentar curtir com eles...
        - Eu sei, eu sei, você tem razão. Mas ainda não perdi totalmente as esperanças... Ainda dá tempo pra Luisa mudar de idéia...


        Mas a esperança, embora seja a última a morrer, não faz parar o tempo. Nas semanas seguintes, Vera mergulha no trabalho, enquanto Antonio e Luisa continuam dedicados ao bebê. Até conseguem arrastar Marquinhos para o primeiro ultrassom. “Foi tão emocionante, mãe, ouvir o coraçãozinho dele batendo”. As palavras de Luisa deixam Vera arrasada. Que raio de mãe era ela, que não acompanhava a filha adolescente num momento desses? Mas a verdade é que sequer tinha sido convidada... “Até o Marquinhos se emocionou, não foi, pai?”.
        Dois dias depois, Vera chega do trabalho e encontra a filha aos prantos, estirada no sofá da sala.
        - O que houve?! – pergunta, alarmada.
        A menina chora e soluça tanto, que é difícil entender o que se passa:
        - O Marquinhos... O Marquinhos... – e chora.... e soluça...
        - O que tem ele? Vocês brigaram? – a pergunta é retórica, porque é óbvio que o casal, que já não estava bem, só podia ter rompido...
        Vera abraça a filha e tenta acalmá-la para ver se extrai a história toda. Após alguns minutos e um copo d’água, Luisa finalmente consegue esclarecer:
        - O Marquinhos vai morar em Nova Iorque com os pais... Viajam no final do mês... – e se debulha em lágrimas novamente.