sábado, 31 de dezembro de 2011

2011


    Na fila para pagar a consumação na saída da comemoração de fim de ano do trabalho, vi uns maços de cigarro à venda e comentei com os meus botões, após 3 caipivodkas, que dava vontade de comprar um... Daí o sujeito que estava na minha frente disse que tinha parado de fumar há 20 e não sei quantos anos e que não tinha mais vontade de fumar. Procurando me justificar, expliquei que só parei de fumar em janeiro. Ou seja, outro dia mesmo... Só no dia seguinte, me dei conta de que já faz quase um ano. Não sei o dia exato, mas sei que foi em janeiro.
    Alguns dias depois, estava contando para uma conhecida que havia me separado. Ela perguntou: Quando? E eu disse que tinha sido outro dia mesmo. Depois, para ser mais exata, informei que foi em agosto. Ah!, então já faz quase 4 meses, ela comentou. Pois é. Também não sei o dia exato, mas sei que foi em agosto. Realmente, foi há mais de 4 meses.
    Quando estava me decidindo a parar de fumar, pensei um monte de bobagens. Dentre elas, que eu poderia aguentar qualquer coisa nesta vida, desde que pudesse fumar. Ou ainda, que, privada do cigarro, talvez nunca mais fosse feliz.
    Quando o meu casamento acabou, achei que minha vida ia pelo mesmo caminho. Não conseguia mais ver qualquer graça em viver sozinha, sem um companheiro. Tive muito medo da solidão. Quase morri de ciúmes. Me senti um lixo. Fiquei sem saber quem eu era. Sofri como um cão (não entendo a razão dessa expressão... a cadela aqui de casa leva uma vida de princesa... embora também tenha sofrido muito com a separação...). Depois, com a ajuda da família, dos amigos e de um tanto de terapia, percebi que, ao longo dos anos, tinha me esquecido de mim.
    Nada drástico. Mantive amigos, trabalho e atividades exclusivamente minhas. Mantive até meu nome de solteira (sábia decisão!). Escrevi um livro (no que, aliás, fui muito incentivada pelo meu ex-marido)! Mas, o centro da minha vida não era mais eu. A minha existência começou a girar em torno das necessidades e possibilidades de meu marido e meu filho. Ok, é normal, acontece. Mas é perverso. Porque ninguém te pede nada, mas é o que se espera de você. E, de um dia para o outro, você se transforma naquela criatura que cobra por algo que não lhe foi pedido. Em síntese, uma chata.
    Enfim, o fato é que percebi que posso sobreviver perfeitamente sem marido. E sem cigarro. Aliás, cá entre nós, acho que fui uma heroína em não voltar a fumar na hora da crise...
    Por outro lado, me descobri mais fraca do que jamais poderia imaginar. Não esperava sofrer tanto, nem temer tanto. Lembro de entrar em pânico, em plena rua Jardim Botânico, numa quarta-feira à noite, após visitar um apartamento para comprar. De repente, percebi que, pela primeira vez na minha vida, ia decidir sozinha a respeito da minha moradia e de um investimento decisivo. E se eu errasse? Andei até minha casa chorando.
    Aliás, como chorei nos primeiros meses! Chorava em casa, chorava caminhando na Lagoa, chorava no trabalho. A qualquer momento do dia ou da noite, eu podia cair em prantos. Podia estar no meio de uma frase de um texto do trabalho e, do nada, lembrava de alguma coisa que fazia as lágrimas brotarem. (É bem verdade que sempre fui chorona... Quando criança, parece que meu padrinho certa vez observou que as minhas lágrimas não escorriam, mas saltavam, esguichavam dos meus olhos.) Pior ainda quando alguém telefonava. Podia ser o ex, minha mãe, algum amigo ou parente querendo notícias. O pessoal da recepção do tribunal (onde vamos para falar ao telefone sem atrapalhar os colegas) deve achar que eu sou completamente desequilibrada...
    Mas, talvez, justamente por ter sofrido de forma tão intensa, quando digeri tudo, fiquei ótima. (Aqui tenho que confessar que, durante inusitada terapia pós-separação à qual meu ex e eu nos submetemos, o psiquiatra me receitou um antidepressivozinho que foi bastante útil para me dar uma mãozinha pra sair do buraco...). Não quer dizer que não tenha mais momentos de tristeza e melancolia, mas, na maior parte do tempo, estou adorando a minha nova vida. Estou amando a idéia de ter uma casa só minha (e do meu filho), onde eu vou decidir tudo.
    O medo do futuro e da solidão evaporou quando percebi que pedi socorro e fui socorrida. Tenho família, excelentes amigos e um maravilhoso ex-marido. Tenho casa, trabalho e saúde. 2011 foi um ano de mudanças radicais: larguei o cigarro, comecei um novo trabalho, me separei, emagreci 5 quilos sem fazer esforço, fiquei loira, reencontrei amigos, estou fazendo ioga e descobri que não preciso de muita coisa pra ser feliz. O futuro agora promete grandes aventuras e a solidão serve para matar as saudades de mim.

 
P.S. – Estava achando este texto muito piegas, mas, a minha grande amiga Pollyanna falou que era pra deixar de frescura e publicar assim mesmo...

 

domingo, 4 de dezembro de 2011

O CARRASCO - 20

        Aquele choro a perseguiria por muito tempo, penetrando em seus ouvidos como uma acusação. Luísa não conseguiu amamentar o filho: nem no dia do nascimento, nem nunca. E ele chorava, chorava e chorava, de forma tão persistente, que o único jeito de evitar aquele som enlouquecedor, era afastar-se dele. Foi o que fez.

 
        Ninguém a compreendia. Ninguém sabia o susto que tinha passado ao deparar-se pela primeira vez com aquele bebê. Naturalmente, pensavam que devia estar preparada. Qual seria o sentido de uma gestação de nove meses, se não preparar a mãe para a chegada do neném? Luísa não tinha a menor idéia, só sabia que, para ela, nove meses não tinham sido suficientes.

 
        Durante a gravidez, até que as coisas foram bem. A situação tinha um lado constrangedor, sentia que as pessoas a olhavam como se fosse uma espécie de aberração. Mas, ao mesmo tempo, ganhara um certo status de adulta. Seus amigos, embora a maior parte achasse uma loucura ela ter um filho, tratavam-na com respeito e consideração especiais. As meninas perguntavam sobre todos os detalhes da gravidez, em uma mistura de admiração, inveja e pena. Era gostoso desfilar a barriga imensa pelas ruas, aceitar os assentos que lhe eram oferecidos por rapazes gentis nos ônibus lotados, ser mimada pelo pai, que lhe trazia sempre uma guloseima, na volta do trabalho.

 
        No centro de tantas atenções, até esquecia a estranha sensação de ter um ser independente crescendo, à sua revelia, dentro de seu corpo. Até mesmo na hora dos exames, nada parecia muito real. A ultrassonografia de última geração mostrava imagens do embrião que revelavam tratar-se de um menino, para alegria de seu pai. Mas, apesar das imagens bastante nítidas de seu filho, no fundo, ela não acreditava muito que aquele animalzinho que aparecia na tela do computador fosse realmente uma criança crescendo em seu ventre. Nem mesmo as roupinhas que comprava ou ganhava da família e dos amigos tornavam mais concreta a iminente chegada de seu filho.

 
        O nascimento de Toninho foi um choque. Após horas de dor excruciante, aquele bebê vermelho, com cara de joelho, foi puxado de dentro dela, comprovando que tinha estado lá o tempo todo. E, ainda por cima, chorava, enquanto todos a olhavam, como se fosse ela a responsável pelo seu choro, pelo seu sofrimento, e não o contrário. A enfermeira, o médico, sua família, todos queriam que amamentasse o bebê. Sequer consideravam a hipótese de que ela não quisesse fazê-lo. E não queria. Estava cansada e assustada.

 
        De uma hora para a outra, parecia que ninguém se preocupava mais com o seu bem estar, que vinha sendo uma prioridade absoluta nos últimos meses. Agora só se importavam com o bebê. Ela era apenas a mãe de Toninho e, como tal, deveria sacrificar-se por ele. A pressão foi tanta, que acabou se resignando e tentou amamentá-lo. Procurou esquecer a vergonha de expor o seio nu diante daquela platéia ávida, encarando o ato como uma demonstração de que era uma mulher adulta e completa. Mas, quando aquelas mãozinhas minúsculas tocaram no seu peito e aquela boquinha sugou o bico intumescido com uma força tirada sabe-se lá de onde, sentiu dor, sentiu vergonha, sentiu até nojo. Enquanto isso, todos admiravam a cena, encantados com a voracidade de Toninho. Ela sofrendo, e a platéia comentando que ela devia ter bastante leite, o que seria ótimo para o bebê. Não queria participar daquilo. Olhou pela janela. O dia estava lindo. Há tempos não via um céu tão azul. Começou a chorar.