sábado, 22 de junho de 2013

EXPECTATIVAS IRREAIS




Um casal assiste à televisão, deitado na cama. Na tela, as manifestações do mês de junho. A multidão de branco, tomando conta das ruas, levando seus cartazes apartidários. O jornalista foca num grupo de jovens que carregam bandeiras contra a corrupção. Adolescentes manifestam, de forma pouco articulada, sua indignação com “isso tudo que está aí”, especialmente com a “corrupção dos políticos”.


De repente, a mulher, que assistia a tudo compenetrada, começa a chorar e volta-se para o marido:


- Chega, meu bem! Você não está vendo? O povo está nas ruas pedindo... Você precisa devolver aquele dinheiro... Não dá mais!


E o homem, perplexo:


- Mas, Lourdes, foi só uma comissão, foi a empresa que me pagou... E era pra nossa viagem de férias...


- Não, Arnaldo, não é desse que eu estou falando... É daquele outro, dos remédios superfaturados... Você não vê que está fazendo falta? As pessoas estão indignadas... E com razão, meu bem... 


Arnaldo, pensativo:


- É, talvez você tenha razão... Parece que a situação nos hospitais está mesmo difícil... Ainda bem que eu tenho uma mulher sensível e inteligente como você... Acho que você está certa mesmo. Mas, se eu devolver o dinheiro, a gente vai ter que cancelar a viagem à Europa...
Lourdes o abraça:


- Eu não preciso de viagem à Europa, só de você... Te amo cada vez mais! Me orgulho de ser sua mulher...



CORTA.




Traficantes embalam cocaína em barraco na favela, enquanto assistem à televisão. Armas enfiadas na cintura ou sobre as mesas. Perto da TV, sentado numa poltrona, o chefe toma uma cerveja. O jornal passa cenas de manifestação na Av. Vieira Souto. Pessoas vestidas de branco, na maior parte mulheres. Os cartazes pedem o fim da violência. Alguns retratam jovens mortos em assaltos ou por balas perdidas. A jornalista entrevista uma mulher que usa uma camiseta com o retrato da filha morta estampado. Conta que a menina morreu na faculdade, vítima de bala perdida oriunda de confronto entre polícia e traficantes na favela próxima. Chora. Depois, é a mãe de um rapaz, viciado, desaparecido. Ela apela a qualquer um que tenha notícias dele, mostrando uma foto. A câmera volta para o grupo, que leva bandeiras “Pela Paz” e entoa um “Chega de violência!”.


O chefe não tira os olhos da telinha, hipnotizado. Subitamente, volta-se para seus homens:


- Elas estão certas! Eu não aguento mais... Não quero carregar essa culpa por tantas vidas desperdiçadas... Jovens! Estudantes! Filhos! E pra quê? Será preciso tanta violência?


O bando se entreolha, atônito. Mudo. O chefe levanta-se e, inflamado, prega:


- É verdade! Chega! Me entreguem suas armas. Agora! Vamos lá! A gente pode fazer melhor!


- Mas, Peneira, como a gente vai defender a boca sem armas?


- Dá-se um jeito, dá-se um jeito... O que não dá é pra continuar sacrificando vidas inocentes...

 Ah, Zecão, vai lá no alto e solta aquele moleque que a gente ia queimar... Não vai mais ter micro-ondas no meu morro...



CORTA.



Pronunciamento da Presidenta Dilma após as manifestações de junho de 2013:


- Brasileiras e brasileiros, acompanhamos com muita atenção os protestos. Ouvimos a voz do povo e concordamos plenamente com ela. De fato, o Senador Renan Calheiros não tem condições morais para presidir o Senado, de forma que vou tratar de expulsá-lo do cargo até o final do mês. O Feliciano, então, nem se fala, é um cretino escroto e podem considerá-lo carta fora do baralho. Corrupção eu também não aguento mais e já providenciei um decreto que vai exterminá-la completamente. Podem esquecer a Pec 37, já está previamente vetada. Políticos acusados de corrupção serão imediatamente presos, sem maiores investigações. E vou acabar com os partidos. Aliás, vou acabar com os políticos, que assim há menos risco de corrupção...


A TV começa a chiar, a imagem a tremer. Sai do ar.



FIM