terça-feira, 30 de agosto de 2011

GRAN FINALE


    O Mário era um sujeito muito boa praça. Aliás, empenhou-se a vida inteira para ser assim considerado. Desde a época da escola, preocupava-se com sua popularidade. Doía-lhe a alma saber que alguém não gostava dele, ainda que ele mesmo não tivesse esse alguém em alta conta... Então, fazia de um tudo para ser querido. E, como já era, por natureza, amável, com o esforço extra, era bastante popular. Bom de papo, tinha assunto para conversar tanto com a avó do colega de trabalho, quanto com o cunhado da esposa. Sabia, como ninguém, evitar atritos. Ouvia as opiniões políticas mais diversas, sem jamais discordar. Fazia comentários pertinentes, que podiam ser interpretados pelo interlocutor como melhor lhe conviesse. Sempre demonstrava interesse no trabalho, na família, nas conquistas e nas doenças de todos. Não negava favores aos amigos e até aos amigos dos amigos. De uma carona a um dinheiro emprestado, o Mário era "o cara". E como conhecia gente! Era quase impossível entrar num restaurante onde não conhecesse alguém. Na rua, também não andava mais do que alguns quarteirões sem parar para cumprimentar um amigo. Aliás, Mário jamais fingia não ter visto um conhecido porque estava com pressa. Não, sempre parava para conversar e fazia a pessoa sentir que o encontro tinha sido um grande prazer para ele. No telefone, nunca tomava a iniciativa de desligar, pois poderia parecer rude. Sempre atendia ao celular e não avisava ao interlocutor que estava jantando ou dirigindo, para não constrangê-lo ou apressá-lo. Enfrentava, com galhardia, as obrigações sociais mais detestáveis. De batizados e festinhas infantis a velórios e missas de sétimo dia, passando por formaturas e casamentos, Mário não inventava desculpas: fazia-se presente, alegre ou triste, conforme demandasse a ocasião. Em seu íntimo, sabia que toda a atenção que dispensava às pessoas lhe seria retribuída. E tinha razão. No seu aniversário, não fazia festas: temia não ter condições de convidar todo mundo ou esquecer alguém. No entanto, várias vezes foi surpreendido por comemorações organizadas por amigos e colegas de trabalho. Era verdadeiramente querido. Quando adoeceu, chegou algumas vezes a desejar que não fosse tão popular. Afinal, estava fraco para receber tantas visitas e telefonemas. Mas, no fundo, confortava-o a imagem do cemitério repleto no dia de seu enterro. Envaidecia-se pensando que seu velório faria transbordar a capela 1 do São João Batista e que o cortejo inundaria as vielas de pessoas das mais diversas origens. Parentes, colegas de escola, a turma da Rua Miguel Lemos, a galera da faculdade, da praia, do primeiro estágio, do futebol de domingo, da academia, o pessoal do escritório, o português da padaria, o dono da banca de jornal, seus clientes, os amigos dos filhos, todos os amigos cultivados ao longo de tantas décadas de vida. Haveria muitas coroas de flores e homenagens. Talvez até um discurso ou outro. Não fazia questão de lágrimas. Queria apenas, na hora da partida, ser lembrado por todos como o querido Mário, amigo de fé, irmão, camarada... Seria seu gran finale.
    Foi uma pena o que aconteceu com o Mário... Imaginava que seria sepultado no jazigo da família de sua mãe, no cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. No entanto, uma semana antes dele, faleceu sua irmã, Irene, num acidente de motocicleta, aos 65 anos de idade, deixando uma filha e dois netos. Não houve tempo para preparativos ou maiores questionamentos. Mário sequer foi consultado, já que a família julgou desnecessário e até cruel submetê-lo à notícia do repentino e intempestivo falecimento da irmã querida, quando estava ele mesmo em seus últimos dias de vida, sob forte sedação. Irene foi enterrada no jazigo do São João Batista, na quinta-feira, dia 04 de agosto de 2011. Na quarta-feira seguinte, dia 10.08.2011, morreu Mário. Fazia um calor incomum para aquela época do ano. No pouco tempo que tiveram para se organizar, a mulher e os filhos de Mário trataram de providenciar o rápido traslado do corpo para Volta Redonda, cidade natal da família de seu pai, que possuía um belo jazigo no cemitério local. Mário nunca compartilhara com sua esposa as fantasias a respeito de seu próprio funeral, de forma que não lhe passaria pela cabeça que estaria contrariando os desejos do marido ao enterrá-lo junto à sua avó mais amada, que ajudara a criá-lo desde pequeno e da qual sempre falava com grande carinho. Jamais poderia imaginar a frustração de Mário, pairando sobre o minguado cortejo que acompanhava seu corpo terreno para a despedida final. Parecia haver mais coroas de flores do que pessoas. Estavam lá a mulher, os filhos e alguns amigos mais chegados. Um colega de trabalho até alugara uma van para levar o pessoal do escritório. Mas, em plena quinta-feira, eram poucos os que podiam se dar ao luxo de perder uma dia inteiro de trabalho para ir a um enterro em Volta Redonda. Ainda que de Mário, grande sujeito, boa praça, sangue bom... Da próxima vez, optaria pela cremação, pensou, resignado, enquanto observava o pequeno grupo afastar-se, compungido e sereno, em direção aos veículos estacionados junto ao portão de entrada.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O CARRASCO 15


     Na manhã seguinte, Vera acorda mais cedo do que de costume e sai, deixando o resto da casa dormindo. Precisa espairecer e tentar pôr os pensamentos em ordem. Na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, o comércio está abrindo. Na volta, pode aproveitar para comprar a mochila que Isabel lhe pediu. Sábado é dia de compras, de manicure e de almoço na casa de sua mãe. Mas, antes vai até a praia. Sentada no banco do calçadão, tenta aquecer-se sob o sol de inverno. Na areia, os barraqueiros ainda estão arrumando seus isopores. Dois rapazes, de sunga, passam correndo pela areia fofa. Alguns garotos jogam futebol. À direita, em frente ao hotel, uns poucos gringos ignoram o frio e relaxam nas cadeiras azuis, sob o olhar atento de um segurança, sentado na parte mais alta, perto da barraca de bebidas. De resto, a praia está quase vazia, pois o sol fraco não é páreo para o vento frio que vem do mar. Aliás, o mar também parece perigoso. A bandeira vermelha, fincada perto da arrebentação, adverte para a correnteza, mas o tamanho das ondas dispensa o aviso.
    O que estará acontecendo com seu marido? Depois de tantos anos de casamento, pensava que o conhecia, mas, de repente, ele mostrava atitudes completamente imprevisíveis e surpreendentes. A maior parte delas, péssimas. Não sabe precisar se a mudança começou com a gravidez de Luisa ou com o novo trabalho. Foi tudo ao mesmo tempo. Mas, até o jeito de Antonio se vestir estava diferente. Poderia ser o aumento salarial. Afinal, ele estava ganhando praticamente o dobro do que ganhava no antigo cargo, o que significava que, pela primeira vez na vida, seu salário era igual ao de Vera. O que talvez explicasse algumas roupas novas e até um pouco mais de segurança no jeito de vestir, mas não justificava a nova postura autoritária...
    Não concordava com os que achavam Antonio fraco e preguiçoso. Seu marido era apenas um pouco infantil e inconseqüente. Agora percebia que talvez estivesse enganada. As lembranças da véspera insistiam em invadir seus pensamentos. A palavra estupro se insinuava e ela a rejeitava, de imediato. Se lhe dera prazer, não podia ser estupro. Ou podia? Não, ela não oferecera resistência... Tudo não passou de um jogo, um faz-de-conta entre adultos. Se tivesse reagido de verdade, ele não a teria forçado. Claro! O pai de suas filhas era um bom homem. Um tanto reacionário e machista, porém bom. O problema não era a noite de ontem, mas a gravidez de Luisa.
    Chega em casa, três horas depois, mais tranqüila, de unhas feitas e trazendo a mochila de Isabel. Encontra um bilhete de Antonio na bancada da cozinha, informando que saiu com Luisa e que não iriam almoçar com ela na casa de sua mãe. Lê o bilhete por uma segunda vez, para ver se, da primeira, lhe escapara alguma coisa. Mas, não. O marido não dissera aonde tinham ido e nem a que horas voltariam. Bem, poderia telefonar... Melhor, não. Não queria parecer controladora. Almoçaria com Isabel, na casa de sua mãe, e, mais cedo ou mais tarde, teria notícias de Antonio e Luisa. Até seria melhor assim. Não contara a "novidade" para D. Cristina; tinha esperanças de que Luisa mudasse de idéia e que não fosse necessário. Sozinha com Isabel, ficaria mais fácil evitar o assunto. Joga fora o bilhete e vai chamar a filha no quarto, levando a mochila nova.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

HELP!!!


Estou escrevendo "O CARRASCO" neste blog como um rascunhão. Assim, críticas, comentários e correções serão bem vindos e, eventualmente, incorporados de imediato ou, mais adiante, quando eu começar a reescrever o texto que, espero, se transforme em um romance. Então, conto com a ajuda dos amigos, não só para divulgar o blog, mas, também, para que me dêem idéias, opiniões e pitacos em geral. Agradeço desde já!
P.S. – Lembro que, à direita, no alto, tem um link para "todos os capítulos", que eu tenho atualizado a cada nova publicação. Por favor, compartilhem!

domingo, 7 de agosto de 2011

O CARRASCO - 14



 

    - São uns merdas esses pais do Marquinhos! – grita Antonio, sentado na cama, em direção ao banheiro, onde Vera está removendo a maquiagem – Uns verdadeiros merdas... Hipongas irresponsáveis... Mas não tem problema, não, já estarão ajudando muito se não atrapalharem... Hein, Vera, tá me ouvindo?
    - Tô, Antonio... – responde Vera, enquanto enxuga o rosto na toalha.
    Preferia não ter essa conversa, mas, por algum motivo que fugia à sua compreensão, ultimamente vinha sendo muito difícil contrariar Antonio. Não parecia mais o mesmo homem com quem se casara. Depois de mais de 15 anos de vida em comum, era até instigante essa sensação, mas, nem por isso, menos perturbadora. Se bem que o discurso era exatamente o que ela previra...
    - E o garoto? Um banana! A gente cria filha pra isso... Pra vir um moleque sem-vergonha, mal saído das fraldas, com cara de sonso, e levar ela pra cama... Só de pensar, chega a me dar uma sensação ruim no peito... Mas, pelo menos, os bichos-grilos vão dar "o maiorrrr apoio"... – Antonio puxa o "r" e ri da própria piada.
    Já está se sentindo melhor... Aliás, sente-se muito bem. Aliviado. Era importante ter o apoio dos pais de Marquinhos, num primeiro momento. Assim, havia menos risco de ele influenciar Luisa a desistir da criança... Agora tinha certeza de que isso não aconteceria. Mais um mês, no máximo, e já não haveria como voltar atrás. A noite tinha sido um sucesso! Queria comemorar. Mas Vera estava demorando no banheiro...
    - Vera! Vem logo! Por que tá demorando tanto?
    Era só o que faltava! Depois de um jantar exaustivo desses, Antonio ainda queria sexo. Pensou em responder, "porque acabei de menstruar e estou com uma tremenda cólica", mas até mentir para seu marido estava ficando mais difícil...
    - Amor, eu tô morta de cansaço... Vamos deixar pra amanhã, vamos? – responde, entrando no quarto, de camisola de renda preta (um erro, mas era a que estava usando aquela semana, e já a tinha vestido antes de perceber as intenções de Antonio).
    - Cansada! A avó mais sexy do Brasil está cansada?! Nananinanão! Eu tenho uma surpresinha pra você... Nem vai precisar fazer esforço algum – diz Antonio, puxando a mulher para a cama – Deita aqui e fecha os olhos.
    De que adiantaria negar? Melhor relaxar... Pelo menos ele parecia estar pretendendo uma modalidade passiva...
    - Você trancou a porta? – ainda se lembra de perguntar, enquanto se acomoda bem no meio da cama, seguindo as orientações de Antonio.
    - Claro, fica tranqüila... Agora fecha os olhos e me dá o seu braço direito...
    Antonio tinha deixado as algemas guardadas na gaveta de sua mesa de cabeceira. Eram perfeitas para prender no gradeado de ferro do espaldar da cama do casal. Começa prendendo uma delas na cama e depois pega o braço de Vera e, rapidamente, fecha o outro lado da algema em torno do seu pulso. Ela abre os olhos, assustada:
    - Que é isso? Tá maluco? – tenta levantar-se na cama, mas ele é mais rápido e senta-se sobre ela, segurando o seu braço esquerdo.
    - Calma, meu amor, é só uma brincadeira... Você não está exausta? Então, só precisa ficar bem quietinha... - explica, com um sorriso malicioso.
    Ela poderia gritar, mordê-lo, chutá-lo... Enfim, reagir. Mas não reage. Um confronto seria pior. Diz pra ele parar, mas, sem muita convicção. Ele não leva a sério seus protestos. Ela também não. Está indignada, mas, excitada. Não tem escolha. Gosta disso.