quarta-feira, 29 de outubro de 2014

PROJETO GIRASSOL




Acabara de pagar as compras e saía do mercado com sua sacolinha, quando se deparou com uma estante cheia de girassóis, bem na porta do estabelecimento. Eram de uma beleza e alegria tão grandes, que não hesitou em pegar o que lhe pareceu mais bonito e voltar para a fila do mercado. 

Quando chegou a sua vez, a caixa, admirando o girassol, perguntou: Ele gira mesmo para o sol? Acho que sim, não sei, respondeu sorridente, enquanto recebia o troco, e voltou para a rua ensolarada, orgulhosa da flor que levava no vasinho em sua mão direita.

Chegando em casa, pegou o seu cachepot de cerâmica favorito e nele acomodou o vaso do girassol, que pôs sobre a cômoda da sala, junto à foto de sua mãe. Ficou lindo e alegre, como o dia lá fora. Sentiu-se feliz.

À noite, seu amante veio jantar. Ao ver o girassol, logo perguntou: E ele gira para o sol? Não sei, respondeu, desta vez, rindo, vou observar. Antes de dormir, quando estava apagando as luzes da casa, virou a flor de costas para a janela e de frente para a parede. 

Uma semana se passou. Lindos dias de sol a entrar pela janela, batendo no chão, atrás do girassol, que permanecia, impávido, voltado para a parede. Curiosa, pesquisou no Google e concluiu que, mesmo em cativeiro, os girassóis giram para o sol. Então, havia algo de errado com o seu, ou com o local que escolhera para ele... 

Começou mudando a flor de lugar. Colocou-a na área de serviço, bem ao lado da janela, mas, de costas, é claro, para incentivar o giro... Esperou uma semana e o girassol não se moveu nem um centímetro.

Voltou ao mercado e comprou mais dois girassóis. Enfileirou-os ao lado do primeiro. No dia seguinte, quando entrou na cozinha, observou que as duas flores novas haviam girado de frente para a janela, onde o sol da manhã batia alvissareiro. O primeiro, o “seu” girassol, permanecia imóvel, de costas para o astro rei.

Sentia-se, de alguma forma, responsável pela inabilidade da flor para mover-se em busca da luz. Não podia conviver com aquele fracasso. Precisava resolver o problema. Foi então que lhe ocorreu uma ideia brilhante. 

Levou o vaso com a flor problemática para o escritório, cômodo que era diariamente inundado pelo forte sol da tarde. Fechou a janela, deixando apenas uma pequena fresta, através da qual entrava um esguio feixe de luz, perpendicular ao piso. Posicionou a flor sobre um pequeno pires com água, de forma que o raio de sol passasse rente às suas costas. Saiu do quarto e fechou a porta atrás de si, deixando o girassol, sozinho, no escuro.

Algumas horas depois, o sol se pôs, para voltar somente na tarde seguinte. O girassol, um pouco murcho, permanecia imóvel. No dia seguinte, porém, quando o sol apareceu, a flor murcha, parecendo buscar suas últimas forças, começou a se mover lentamente e, após 2 horas, completou um giro de 90 graus, de forma que o estreito raio de sol a atingia em cheio, bem no miolo. 

Sua recuperação foi incrível. Alimentado pelo fino veio de luz, o girassol reergueu-se esplendoroso. Mas ela não apareceu para vê-lo. Teria esquecido? 

No banheiro, seu corpo nu jazia estendido no chão. Sangue por todo lado. Um acidente estúpido, diriam, quando a encontrassem. Você sabia que 77% dos acidentes domésticos acontecem no banheiro?

Quando abriram a porta do escritório, ele estava lá. Lindo, iluminado pelo raio de sol, como um bailarino sozinho no palco. O policial que atendeu à ocorrência, achou prudente fotografar a flor, no local em que a encontrou. 

Foram 10 fotos da mulher no banheiro e 15 do girassol no escritório escuro. Depois que o caso foi arquivado, mandou as fotos da flor para um concurso amador. Ficou em terceiro lugar e ganhou um fim de semana numa pousada em Friburgo. Aproveitou a ocasião para pedir sua namorada em casamento.