Acabara de pagar as compras
e saía do mercado com sua sacolinha, quando se deparou com uma estante cheia de
girassóis, bem na porta do estabelecimento. Eram de uma beleza e alegria tão
grandes, que não hesitou em pegar o que lhe pareceu mais bonito e voltar para a
fila do mercado.
Quando chegou a sua vez, a caixa, admirando o girassol,
perguntou: Ele gira mesmo para o sol? Acho que sim, não sei, respondeu
sorridente, enquanto recebia o troco, e voltou para a rua ensolarada, orgulhosa
da flor que levava no vasinho em sua mão direita.
Chegando em casa, pegou o
seu cachepot de cerâmica favorito e
nele acomodou o vaso do girassol, que pôs sobre a cômoda da sala, junto à foto
de sua mãe. Ficou lindo e alegre, como o dia lá fora. Sentiu-se feliz.
À noite, seu amante veio
jantar. Ao ver o girassol, logo perguntou: E ele gira para o sol? Não sei,
respondeu, desta vez, rindo, vou observar. Antes de dormir, quando estava
apagando as luzes da casa, virou a flor de costas para a janela e de frente
para a parede.
Uma semana se passou. Lindos
dias de sol a entrar pela janela, batendo no chão, atrás do girassol, que
permanecia, impávido, voltado para a parede. Curiosa, pesquisou no Google e
concluiu que, mesmo em cativeiro, os girassóis giram para o sol. Então, havia
algo de errado com o seu, ou com o local que escolhera para ele...
Começou mudando a flor de
lugar. Colocou-a na área de serviço, bem ao lado da janela, mas, de costas, é
claro, para incentivar o giro... Esperou uma semana e o girassol não se moveu
nem um centímetro.
Voltou ao mercado e comprou
mais dois girassóis. Enfileirou-os ao lado do primeiro. No dia seguinte, quando
entrou na cozinha, observou que as duas flores novas haviam girado de frente
para a janela, onde o sol da manhã batia alvissareiro. O primeiro, o “seu” girassol, permanecia imóvel, de
costas para o astro rei.
Sentia-se, de alguma forma,
responsável pela inabilidade da flor para mover-se em busca da luz. Não podia
conviver com aquele fracasso. Precisava resolver o problema. Foi então que lhe
ocorreu uma ideia brilhante.
Levou o vaso com a flor problemática
para o escritório, cômodo que era diariamente inundado pelo forte sol da tarde.
Fechou a janela, deixando apenas uma pequena fresta, através da qual entrava um
esguio feixe de luz, perpendicular ao piso. Posicionou a flor sobre um pequeno
pires com água, de forma que o raio de sol passasse rente às suas costas. Saiu
do quarto e fechou a porta atrás de si, deixando o girassol, sozinho, no
escuro.
Algumas horas depois, o sol
se pôs, para voltar somente na tarde seguinte. O girassol, um pouco murcho,
permanecia imóvel. No dia seguinte, porém, quando o sol apareceu, a
flor murcha, parecendo buscar suas últimas forças, começou a se mover
lentamente e, após 2 horas, completou um giro de 90 graus, de forma que o
estreito raio de sol a atingia em cheio, bem no miolo.
Sua recuperação foi
incrível. Alimentado pelo fino veio de luz, o girassol reergueu-se
esplendoroso. Mas ela não apareceu para vê-lo. Teria esquecido?
No banheiro, seu corpo nu
jazia estendido no chão. Sangue por todo lado. Um acidente estúpido, diriam,
quando a encontrassem. Você sabia que 77% dos acidentes domésticos acontecem no
banheiro?
Quando abriram a porta do
escritório, ele estava lá. Lindo, iluminado pelo raio de sol, como um
bailarino sozinho no palco. O policial que atendeu à ocorrência, achou prudente
fotografar a flor, no local em que a encontrou.
Foram 10 fotos da mulher no
banheiro e 15 do girassol no escritório escuro. Depois que o caso foi
arquivado, mandou as fotos da flor para um concurso amador. Ficou em terceiro
lugar e ganhou um fim de semana numa pousada em Friburgo. Aproveitou a ocasião
para pedir sua namorada em casamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário