quinta-feira, 28 de julho de 2011

O CARRASCO 13

Alguns minutos depois, a campainha tocou. Luisa veio correndo do quarto para atender. Vera já conhecia Marquinhos há tempos e até simpatizava com o garoto. Entendia qual era o seu apelo, embora fosse ainda um menino praticamente imberbe. Tinha grandes olhos negros emoldurados por cílios longos e grossos, que pareciam saídos de um anúncio de rímel. Os cabelos, também escuros, viviam despenteados e caindo no rosto. A pele muito branca destacava a boca vermelha, que parecia pintada de batom. Ele quase nunca sorria ou demonstrava qualquer emoção. Fazia o tipo blasé. Mas, nas poucas vezes em que Vera o flagrara sorrindo, suas covinhas a deixaram dividida entre a vontade de protegê-lo e a de seduzi-lo. Naquela noite, todavia, só o via como um menino idiota, que estava fazendo sua filha sofrer. Assim mesmo, precisava evitar que Antonio fosse desagradável com os convidados.

Luisa abriu a porta, sob o olhar de seus pais, que aguardavam na retaguarda. Cumprimentou o namorado com um selinho e os "sogros" com dois beijinhos. Marquinhos beijou Vera e apertou a mão de Antonio, sem olhar nos seus olhos, mas sem baixar o olhar. Um mau começo, pensou Vera. Nunca tinha reparado como o garoto era dissimulado... E os pais? Luisa não a advertira de que se tratava de um casal alternativo: ele, artista plástico; ela, instrutora de ioga. O figurino não deixava margem a dúvidas. A noite prometia, na melhor das hipóteses, momentos de grande tensão e constrangimento e, na pior, um verdadeiro desastre. Antonio apresentou-se aos pais de Marquinhos, Igor e Monica, olhando-os de cima a baixo, sem disfarçar. Vera já imaginava os comentários que ouviria mais tarde... Hipongas!!! Será que ninguém os avisara de que os anos setenta passaram? Não é à toa que esse Marquinhos é um irresponsável... Com esses pais!!!

De fato, eram também uns irresponsáveis e, como tais, garantiram apoio a qualquer decisão que Luisa viesse a tomar. “Um filho é uma aventura”, disseram. Marquinhos ainda era uma criança, mas eles ajudariam. Não tinham grande disponibilidade financeira, mas, em compensação, tinham disposição de sobra, afirmaram, às gargalhadas, sem se importar que ninguém mais entendesse a graça do comentário... Monica aproveitou para aconselhar Luisa a iniciar, o quanto antes, a prática de ioga. Arranjaria uma aula gratuita na academia onde lecionava. Conhecia, também, uma excelente parteira: uma alemã que fazia partos em casa, de cócoras ou na água. Quando a instrutora de ioga começou a discorrer sobre as propriedades nutritivas da placenta e as possibilidades de preparo para consumo pelos pais, Vera não resistiu ao olhar apavorado de Luisa e interrompeu o discurso da convidada para anunciar que o jantar seria servido.

Considerando tudo o que só podia ter dado errado, a noite foi um verdadeiro sucesso. Antonio, cuja única preocupação era impedir que Luisa desistisse do bebê, relevou todos os defeitos dos avós de seu futuro neto e comportou-se muito melhor do que Vera poderia esperar. Marquinhos entrou mudo e saiu calado. Conversou a sós com Luisa, no seu quarto, por alguns minutos, antes de ir embora. Não saíram com as melhores caras, mas, pelo menos, não fez Luisa chorar... Já era alguma coisa.

Quando fechou a porta atrás dos convidados, Vera foi direto para a cama. Não queria comentar nada com o marido e a filha. Precisava pensar. Tentar entender a situação, antes de emitir qualquer opinião. Sentia-se um tanto oprimida pela noção, cada vez mais real, de que, em breve, seria avó.

sábado, 16 de julho de 2011

O CARRASCO 12

Pela primeira vez na vida, Luisa se sentia mais próxima de seu pai do que de sua mãe. Antonio a estava apoiando em tudo, até convidara Marquinhos e seus pais para jantar! Sua relação com o namorado estava bastante estremecida. Ele não compreendia sua decisão. Dizia que não queria ser pai e que ela estava arruinando a vida de ambos. Luisa tinha esperanças de que, após conversar com Antonio, Marquinhos mudasse de idéia.
Ajudou a mãe a pôr a mesa, em silêncio. Vera andava calada e distante.
- Mãe, você podia pelo menos fingir que está de acordo com a minha decisão...- provocou, enquanto dobrava os guardanapos.
- Se eu tivesse certeza de que a decisão é sua, e não do seu pai...- retrucou Vera, na mesma moeda.
- Sabe, se os pais do Marquinhos perceberem que você é contra, vai ser mais difícil... – insistiu, chorosa.
- Eu não sou contra nada, minha filha, eu só tenho medo que você esteja se deixando levar pelas idéias do seu pai e não esteja percebendo a gravidade da decisão que está tomando... Mas eu não sou contra... Nem poderia ser... Eu só quero a sua felicidade, e faço o que for preciso para te ajudar...- Vera aproximou-se da filha e enxugou a lágrima que escorria no seu rosto, depois acariciou sua cabeça e concluiu – Agora melhora essa cara, porque eles já devem estar chegando.
- Obrigada, mãe... Eu vou lá no quarto trocar essa blusa, que acho que está me engordando...- disse Luisa, desvencilhando-se da mãe e saindo em direção ao corredor.
- Aproveita e passa uma água no rosto! – lembrou Vera, ajeitando os talheres da cabeceira. Não adiantava bancar a distante. Sua filha precisava de apoio incondicional e ela o teria.

domingo, 3 de julho de 2011

O CARRASCO 11


        Naquele almoço Antônio selou a grande guinada de sua vida. Nas semanas seguintes, conseguiu tudo o que queria. Deixou a repartição sem dar maiores explicações aos colegas de anos de trabalho. Em casa, informou o estritamente necessário: tinha sido transferido em missão secreta; trabalharia só na parte da manhã e ganharia mais (o adicional de insalubridade foi confirmado). Cercou-se de um clima de mistério que muito o agradava; sentia que ganhava importância aos olhos de todos. Suas filhas ficaram excitadíssimas, achavam que ele era uma espécie de espião, um agente secreto. No começo, encheram-no de perguntas, mas logo conformaram-se em fantasiar sobre o trabalho do pai.

 
        Com Vera, a coisa já foi mais difícil. Custou muito a aceitar que não poderia saber qual era o novo trabalho do marido. Tentou, de todas as maneiras, arrancar alguma informação. Brigou, chorou, "jogou verde", fingiu aceitar para revistar seus papéis e seu celular, enquanto ele estava no banho, fez ameaças, bancou a vítima, e até tentou segui-lo até o trabalho... Mas Antonio estava atento e preparado. Foi paciente, porém firme. Vera acabou desistindo e contentou-se com um número de telefone fixo onde poderia encontrá-lo em caso de emergência. Afinal, com o aumento salarial de Antonio, não dava para reclamar.

 
        Mas, o melhor foi que suas novas condições de trabalho lhe renderam argumentos para convencer Luisa a lhe dar o neto que tanto queria. Afinal, ganharia mais e ainda teria as tardes livres para ajudar a tomar conta do bebê. Nunca tinha sido um grande apreciador de crianças e, muito menos, de bebês, mas agora estava simplesmente obcecado com a idéia de ter um neto. Talvez fosse porque, pela primeira vez na vida, tinha certeza absoluta do caminho a tomar. Não se iludia, sabia que seria difícil, mas estava convicto de que era a decisão certa. Sua filha aprenderia que seus atos têm conseqüências e que não podia escapar às responsabilidades. Era a mesma coisa com os condenados, embora, no caso deles, o aprendizado viesse de forma um tanto tardia e fatal...

 
        Conversou muito com Luisa. Era importante que ela mesma tomasse a decisão. Jamais pensou, no entanto, que fosse ser tão fácil. Esperava mais resistência da filha e, principalmente, de sua mulher. Mas Luisa parecia ansiosa por delegar a decisão; enquanto Vera, estranhamente confusa, não conseguia articular seus argumentos, sua indignação e seus conselhos. Às vezes, a surpreendia, observando-o com ar intrigado. Ela também estava sob o efeito do novo Antonio. Todos estavam. No fundo, não fora seu aumento, nem sua disponibilidade de tempo, que tinham influenciado a decisão de Luisa. Sua filha seguiu sua orientação porque percebeu o poder que dele emanava. E Vera sentiu que não tinha força para enfrentá-lo.