Alguns minutos depois, a campainha tocou. Luisa veio correndo do quarto para atender. Vera já conhecia Marquinhos há tempos e até simpatizava com o garoto. Entendia qual era o seu apelo, embora fosse ainda um menino praticamente imberbe. Tinha grandes olhos negros emoldurados por cílios longos e grossos, que pareciam saídos de um anúncio de rímel. Os cabelos, também escuros, viviam despenteados e caindo no rosto. A pele muito branca destacava a boca vermelha, que parecia pintada de batom. Ele quase nunca sorria ou demonstrava qualquer emoção. Fazia o tipo blasé. Mas, nas poucas vezes em que Vera o flagrara sorrindo, suas covinhas a deixaram dividida entre a vontade de protegê-lo e a de seduzi-lo. Naquela noite, todavia, só o via como um menino idiota, que estava fazendo sua filha sofrer. Assim mesmo, precisava evitar que Antonio fosse desagradável com os convidados.
Luisa abriu a porta, sob o olhar de seus pais, que aguardavam na retaguarda. Cumprimentou o namorado com um selinho e os "sogros" com dois beijinhos. Marquinhos beijou Vera e apertou a mão de Antonio, sem olhar nos seus olhos, mas sem baixar o olhar. Um mau começo, pensou Vera. Nunca tinha reparado como o garoto era dissimulado... E os pais? Luisa não a advertira de que se tratava de um casal alternativo: ele, artista plástico; ela, instrutora de ioga. O figurino não deixava margem a dúvidas. A noite prometia, na melhor das hipóteses, momentos de grande tensão e constrangimento e, na pior, um verdadeiro desastre. Antonio apresentou-se aos pais de Marquinhos, Igor e Monica, olhando-os de cima a baixo, sem disfarçar. Vera já imaginava os comentários que ouviria mais tarde... Hipongas!!! Será que ninguém os avisara de que os anos setenta passaram? Não é à toa que esse Marquinhos é um irresponsável... Com esses pais!!!
De fato, eram também uns irresponsáveis e, como tais, garantiram apoio a qualquer decisão que Luisa viesse a tomar. “Um filho é uma aventura”, disseram. Marquinhos ainda era uma criança, mas eles ajudariam. Não tinham grande disponibilidade financeira, mas, em compensação, tinham disposição de sobra, afirmaram, às gargalhadas, sem se importar que ninguém mais entendesse a graça do comentário... Monica aproveitou para aconselhar Luisa a iniciar, o quanto antes, a prática de ioga. Arranjaria uma aula gratuita na academia onde lecionava. Conhecia, também, uma excelente parteira: uma alemã que fazia partos em casa, de cócoras ou na água. Quando a instrutora de ioga começou a discorrer sobre as propriedades nutritivas da placenta e as possibilidades de preparo para consumo pelos pais, Vera não resistiu ao olhar apavorado de Luisa e interrompeu o discurso da convidada para anunciar que o jantar seria servido.
Considerando tudo o que só podia ter dado errado, a noite foi um verdadeiro sucesso. Antonio, cuja única preocupação era impedir que Luisa desistisse do bebê, relevou todos os defeitos dos avós de seu futuro neto e comportou-se muito melhor do que Vera poderia esperar. Marquinhos entrou mudo e saiu calado. Conversou a sós com Luisa, no seu quarto, por alguns minutos, antes de ir embora. Não saíram com as melhores caras, mas, pelo menos, não fez Luisa chorar... Já era alguma coisa.
Quando fechou a porta atrás dos convidados, Vera foi direto para a cama. Não queria comentar nada com o marido e a filha. Precisava pensar. Tentar entender a situação, antes de emitir qualquer opinião. Sentia-se um tanto oprimida pela noção, cada vez mais real, de que, em breve, seria avó.