Foi assim que, no dia 3 de abril de 2008, o senhor Antônio Pereira dos Santos, 38 anos, casado, pai de duas filhas, funcionário burocrático de uma repartição do Estado, recebeu a convocação para servir à pátria no dia 10 do mesmo mês.
O envelope chegou junto com a correspondência de sua casa. Apressado que estava, Antônio levou-o junto com extratos bancários, propagandas e contas para o trabalho, onde, depois de assinar o ponto e pendurar o paletó na cadeira, teria tempo de sobra para apreciar o seu conteúdo.
Quando, enfim, se acomodou diante de sua mesa, foi logo abrindo o envelope timbrado do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Quem sabe não seria uma boa notícia: um aumento, um prêmio, uma promoção... Ao ler a convocação, empalideceu, começou a tremer e a suar frio, tamanha a descarga de adrenalina que a notícia lhe provocou. Não podia ser. Por que ele? Até hoje ninguém de suas relações tinha sido chamado a servir como carrasco: nenhum de seus colegas de repartição, amigo ou parente. Já ouvira falar de gente que tinha sido convocada, mas pessoas distantes, tipo primo do cunhado do amigo. É verdade que ele tinha votado a favor da pena de morte... Fez até mais que isso. Ele, que sempre fora um cidadão apolítico, pela primeira vez engajou-se em uma campanha, até boca-de-urna ele fez. Mas isso não queria dizer que estivesse disposto a participar pessoalmente da execução dos criminosos. Não, sua idéia não era essa.
Imerso nesses pensamentos, custou a perceber a presença de Lúcio:
- Antônio, o que houve? Você tá passando mal?
Permaneceu com os olhos esbugalhados, fixos no papel que tinha nas mãos trêmulas. O suor lhe escorria pela face.
- Alguma notícia? – perguntou o colega, esticando o pescoço para tentar ver o que estava escrito na carta.
- Ahn, o quê? - ergueu os olhos vagamente na direção de Lúcio.
- O que foi que aconteceu? Você tá branco como uma parede – insistiu o amigo.
- É...Tô, né? Olha isso - Antônio estendeu a carta com uma das mãos enquanto com a outra procurava afrouxar o nó da gravata.
Lúcio pegou o papel e tirou os óculos para enxergar melhor de perto:
- Deixa eu ver...
Após rápida leitura, dobrou cuidadosamente a carta e devolveu-a a Antônio:
- É, isso pode acontecer com qualquer um... Coragem, homem! Afinal, pra acabar com esses filhos-da-puta,alguém tem que sujar as mãos e, mais dia, menos dia, todo homem de bem vai ser chamado a colaborar.
Quando, enfim, se acomodou diante de sua mesa, foi logo abrindo o envelope timbrado do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Quem sabe não seria uma boa notícia: um aumento, um prêmio, uma promoção... Ao ler a convocação, empalideceu, começou a tremer e a suar frio, tamanha a descarga de adrenalina que a notícia lhe provocou. Não podia ser. Por que ele? Até hoje ninguém de suas relações tinha sido chamado a servir como carrasco: nenhum de seus colegas de repartição, amigo ou parente. Já ouvira falar de gente que tinha sido convocada, mas pessoas distantes, tipo primo do cunhado do amigo. É verdade que ele tinha votado a favor da pena de morte... Fez até mais que isso. Ele, que sempre fora um cidadão apolítico, pela primeira vez engajou-se em uma campanha, até boca-de-urna ele fez. Mas isso não queria dizer que estivesse disposto a participar pessoalmente da execução dos criminosos. Não, sua idéia não era essa.
Imerso nesses pensamentos, custou a perceber a presença de Lúcio:
- Antônio, o que houve? Você tá passando mal?
Permaneceu com os olhos esbugalhados, fixos no papel que tinha nas mãos trêmulas. O suor lhe escorria pela face.
- Alguma notícia? – perguntou o colega, esticando o pescoço para tentar ver o que estava escrito na carta.
- Ahn, o quê? - ergueu os olhos vagamente na direção de Lúcio.
- O que foi que aconteceu? Você tá branco como uma parede – insistiu o amigo.
- É...Tô, né? Olha isso - Antônio estendeu a carta com uma das mãos enquanto com a outra procurava afrouxar o nó da gravata.
Lúcio pegou o papel e tirou os óculos para enxergar melhor de perto:
- Deixa eu ver...
Após rápida leitura, dobrou cuidadosamente a carta e devolveu-a a Antônio:
- É, isso pode acontecer com qualquer um... Coragem, homem! Afinal, pra acabar com esses filhos-da-puta,alguém tem que sujar as mãos e, mais dia, menos dia, todo homem de bem vai ser chamado a colaborar.
- Eu sei, eu sei... Mas falar é muito fácil, você só está nessa calma toda porque não está na minha pele. – respondeu Antônio, aflito.
Não era só a questão de matar que o preocupava... O que diria às pessoas? Deveria revelar a novidade à sua mulher, ferrenha opositora da pena de morte? Como explicaria a situação às suas filhas? E o que pensariam seus amigos? Enfim, todo mundo. Mesmo os que estavam de acordo com a execução de criminosos não deixariam de vê-lo com outros olhos, como uma espécie de assassino.
- Escuta, Lúcio, não comenta isso com ninguém não, tá? Você entende, eu não quero chocar a minha família. Pode deixar, que eu não vou fugir da raia... Mas é melhor que isso fique só entre nós, ok.?
- Claro, rapaz, não se preocupe, eu compreendo perfeitamente a sua situação. Você sabe que não é obrigado a tomar parte nisso, né? Há meios para se safar...- sugeriu o colega, solidário.
- Não, De jeito nenhum, não sou um covarde. Não vou inventar problemas de saúde nem, muito menos, me declarar contrário à pena de morte. Seria muita humilhação. O que ia ter de neguinho me sacaneando não tá no gibi... A começar pela minha própria mulher! Não, eu vou até o fim. É o mais coerente, você não concorda?
- Plenamente, plenamente. Eu agiria exatamente como você. Não que me agrade a idéia de matar uma pessoa, mas, lá na hora, eu pensaria no desgraçado que envenenou o meu dobermann e mandava ver.
Lúcio tinha razão. Ele ia encarar aquela parada. Só não deixaria ninguém de sua família ficar sabendo.
- Não, De jeito nenhum, não sou um covarde. Não vou inventar problemas de saúde nem, muito menos, me declarar contrário à pena de morte. Seria muita humilhação. O que ia ter de neguinho me sacaneando não tá no gibi... A começar pela minha própria mulher! Não, eu vou até o fim. É o mais coerente, você não concorda?
- Plenamente, plenamente. Eu agiria exatamente como você. Não que me agrade a idéia de matar uma pessoa, mas, lá na hora, eu pensaria no desgraçado que envenenou o meu dobermann e mandava ver.
Lúcio tinha razão. Ele ia encarar aquela parada. Só não deixaria ninguém de sua família ficar sabendo.
Foto: Beto Valente